Crise e Trabalho- Finais do Século XIX

Introdução


"O nosso pobre Portugal está-se parecendo muito com o papagaio que perdeu a penna. Os males vão-se-lhe chegando todos, e as crises surgem por toda a parte como cogumellos em terreno lodoso, em tempo de chuva. Depois da crise internacional, provocada pela desastrosa questão ingleza, tem vindo todas as crises, a crise política, a crise financeira, a crise monetária, a crise bancaria (...)".


Gervásio Lobato in Chronica Occidental. O Occidente. Dir. Caetano Alberto. Empreza do Occidente. N.º 446 (11 de maio de 1891).P. 105.


A Crise de 1890-1892


Durante a segunda metade do século XIX, os governos portugueses procuraram modernizar o nosso país, criando infraestruturas (estradas, pontes e caminhos de ferro) que se revelaram essenciais para o desenvolvimento da indústria e do comércio. Esta modernização foi possível devido aos empréstimos concedidos pelo estrangeiro, o que acentuou o défice das contas públicas. A indústria nacional, apesar do investimento realizado nesta área, continuava a registar um crescimento lento. Por este motivo, a nossa balança comercial era deficitária pois estava dependente das importações. O nosso país encontrava-se endividado e sujeito às condições que eram impostas pelos países com quem efetuava negociações.

A situação económica de Portugal agravou-se com a crise que afetou a Europa nos finais do século XIX. Esta crise provocou a falência de bancos e de empresas; o aumento da dívida pública; a desvalorização da moeda e descontentamento político e social visível nas greves e manifestações que se multiplicavam pelo país.

Para esta situação económica grave contribuíram vários fatores como a redução drástica das remessas dos emigrantes, a falência de alguns bancos e o esgotamento das reservas de ouro ("As remessas dos emigrantes portugueses no Brasil, que ajudavam a equilibrar a balança comercial, baixaram drasticamente. Outro fator negativo foi a falência do banco inglês que habitualmente financiava o Governo português. O ministro negociou um empréstimo em Paris, mas as praças estrangeiras fecharam o crédito. (...) O Banco Lusitano e o Banco do Povo faliram. A Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses e a Mala Real Portuguesa estão também à beira da falência. O sinal mais crítico é dado pelo próprio Banco de Portugal: as reservas de ouro estão a esgotar-se." - José Hermano Saraiva e Luísa Guerra, Diário da História de Portugal. Lisboa: Seleções do Reader's Digest,, 1998). Das crises que atingiram a economia portuguesa, em finais do século XIX: 1853-1858, 1867-1870 e 1890-1892, esta última foi, sem dúvida, a que mais afetou as condições de vida da generalidade dos trabalhadores por ter desencadeado a subida dos impostos, o aumento do desemprego, a diminuição dos salários, as migrações internas, para o Sul e para as cidades, e externas, para Espanha, e a emigração, cujo principal destino era o Brasil.

Para resolver os problemas financeiros e solucionar as dificuldades que se faziam sentir, os governantes portugueses aumentaram os impostos. Esta medida encontrou uma forte resistência por parte da população, nomeadamente a classe operária, que se insurgia contra a ineficácia do sistema monárquico e dos seus governantes.


Crise e Trabalho- Finais do Século XIX


Trabalho em Portugal no Século XIX

Por Raquel Varela

O País era, no século XIX, sobretudo rural, prevalecendo aí os mecanismos pré-capitalistas de reprodução social, baseados em solidariedades de família, aldeia. Sobretudo com incidência na prole, isto é, um grande número de filhos mantinha e assegurava a força de trabalho para o campo (ou saíam para emigrar), e um grande número de filhas assegurava a reprodução e sobrevivência da prole e manutenção (cuidado) dos velhos e doentes.

Em 1910 a agricultura ocupava 61% dos ativos e só 17% da população vivia em centros urbanos com mais de 5000 habitantes [1] . Isto não obstante um salto qualitativo assinalável a partir de 1852 - o operariado fabril entre 1852 e 1910 aumentou 400% (de 16 594 para 89 238) [2] . Por outro lado, como recorda Conceição Martins, o crescimento económico é marcado sobretudo pelo lado da mais-valia absoluta, isto é, aumento da exploração direta da força de trabalho (por extensão da jornada de trabalho desta), e não pelo lado do aumento da produtividade com recurso a novas tecnologias, formação e/ou novas formas de organização do trabalho [3]. Devido à crescente expropriação de bens públicos, aumentos de impostos sobre terras e propriedade, gradual privatização das propriedades comunais, a leis como a do morgadio (que transmitia a herança exclusivamente ao primogénito), foi sendo criado um contingente de trabalhadores assalariados e um processo típico de acumulação primitiva estava assim em marcha - em marcha literalmente, porque estes processos foram acompanhados de milícias e exércitos na frente do título de propriedade, de baioneta e pique na mão [4] .

O século XIX vive entre guerras civis, revoltas e mesmo guerrilhas - invasões francesas, guerra civil, Maria da Fonte, Patuleia, Remexido, até à Janeirinha em 1868 [5] - que, com direções distintas e complexas alianças, num processo que está longe de ser linear, ora dirigido por franceses e liberais, ora por ingleses, ora pela Igreja, ora pela Igreja com setembristas, frações de liberais e muitos mais fórmulas (e menos puras do que se chegou a pensar), consoante o equilíbrio de forças sociais [6] , tinham sempre como eixo, por um lado, a concentração da propriedade e, por outro, a proletarização de setores significativos da população. A par destes movimentos cria-se, é sabido, a nação, o ser português, e a sua instituição-mor, o Estado, um administrador comum que procura estender o seu poder militar e fiscal a todo o território, gerir as diversas frações da classe dominante e disciplinar a força de trabalho, evitando um conflito social generalizado, isto é, assegurando a estabilidade política para a consolidação do novo modo de acumulação, cujo desenvolvimento será extremamente desigual.

Esta modernização capitalista, que com especificidades e diferentes cronologias se deu em todos os países europeus, vai criar as condições sociais que obrigam, pela primeira vez, o Estado a pensar uma assistência pública, neste caso voltada para as massas de assalariados que só tinham trabalho parte do ano ou de acordo com os ciclos económicos, que gravitavam muitas vezes para a vagabundagem, sem labor, descritos como criminosos que se recusavam à disciplina «fabril». Dispúnhamos, é preciso recordar, de um imenso e abundante exército de trabalhadores a baixo preço, pouco formados, facilmente substituídos por outros, igualmente pouco formados, sem que fosse portanto colocada a questão da proteção social ampla com vista à manutenção de uma força de trabalho de difícil substituição.

A questão da assistência dos despossuídos na viragem do século era particularmente grave porque não existia algo semelhante ao "direito aoc trabalho" - é aliás anacrónico colocar a questão nestes termos, porque o direito ao trabalho só será uma realidade, e inscrito em alguns programas políticos, depois da revolução de abril de 1974. Não eram só os longos e penosos horários de trabalho, o trabalho infantil e todo o rol que nos surge nas descrições típicas do início da revolução industrial, mas a própria noção de trabalho fixo era praticamente inexistente, a não ser entre aqueles que conservavam meios de produção, os artesãos. Era normal o trabalho à jorna, o trabalho ao domicílio, que dependia dos picos de produção, a paralisação de fábricas ou a redução de dias de produção e o salário dependente da produção, de acordo com ciclos económicos. Era ainda vulgar o salário à peça ou à tarefa. Malgrado, por exemplo, os programas de obras públicas - na conservação de estradas trabalha-se em média 175 dias por ano [1] - como complemento «aos momentos de crise», refere Conceição Andrade Martins, os efeitos do desemprego sentiam-se na miséria, doença e insalubridade das casas dos operários.

Esta investigadora sintetiza desta forma o mercado laboral português neste fim do século XIX: «Mobilidade, diversidade e irregularidade do trabalho assalariado, por um lado, e retração da oferta e/ou da duração do trabalho a partir de meados da década de 1890, por outro [2] ». A maior parte das receitas da maioria das famílias operárias não chegava para as despesas [3] e o rendimento médio de uma família de operários lisboetas era de 19 mil reis, necessitando estes de pelo menos 24 mil para se manterem acima do limiar de sobrevivência [4] . Como se pode ver pelo Quadro 1, essas receitas eram gastas sobretudo na alimentação, não havendo margem salarial para mecanismos de proteção, ficando esses setores à mercê da assistência/caridade.


[1] Martins, Conceição Andrade, «Trabalho e Condições de Vida em Portugal (1850-1913)», In Análise Social, vol. XXXII (142), 1997 (3º), p. 494. [2] Martins, Conceição Andrade, Ibidem, p. 498. [3] Martins, Conceição Andrade, Ibidem, p. 514. [4] L. Poinsard, citado in Martins, Conceição Andrade, «Trabalho e Condições de Vida em Portugal (1850-1913)», In Análise Social, vol. XXXII (142), 1997 (3.º), pp. 514-515. [5] Com base nos inquéritos socioeconómicos de 1906 e 1916. [1] Martins, Conceição Andrade, «Trabalho e Condições de Vida em Portugal (1850-1913)», In Análise Social, vol. XXXII (142), 1997 (3.º), p. 485. [2] Martins, Conceição Andrade, Ibidem, p. 489. [3] Martins, Conceição Andrade, Ibidem, p. 484. [4] Monteiro Cardoso, António, "Autogoverno e Moralismo Igualitário". Política Popular em Portugal no Século XIX, in Neves, José (org.), Como se Faz um Povo. Ensaios para a História do Portugal Contemporâneo, Lisboa, tinta da China, 2010. [5] Monteiro Cardoso, António, ob. cit. [6] Monteiro Cardoso, António, A Revolução Liberal em Trás-os-Montes (1820-1934), O Povo e as Elites, Porto, Afrontamento, 2007.

Fonte: https://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2013/10/12/trabalho-em-portugal-no-seculo-xix/ Este texto é parte do artigo sobre História do Trabalho publicado pela Historiadora Raquel Varela, no livro A Segurança Social é Sustentável. Trabalho, Estado e Segurança Social em Portugal (Bertrand, 2013.). 


Entrevista Alice Samara

Nesta entrevista, a historiadora Alice Samara explica:

- As causas e consequências da crise económica e financeira de finais do século XIX. As condições de trabalho neste período da história de Portugal.

- As consequências políticas, económicas e sociais da participação de Portugal na 1.ª Guerra Mundial. O mundo laboral é também alvo de análise.

- Os efeitos do crash da Bolsa de Nova Iorque em Portugal.  

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